Na Umbanda Sagrada, uma figura frequentemente mal compreendida e envolta em polêmica é a de Exu. Longe de ser a representação do mal ou do diabo como em outras crenças, Exu é um mistério divino fundamental, um Orixá e um Guardião da Lei Maior. Sua atuação é essencial para o equilíbrio da Criação e para a vida no plano material.
Origem Divina e Natureza Essencial
A origem divina de Exu está ligada ao princípio da Criação por Olorum, o Divino Criador. Exu é identificado como o regente do primeiro estado da Criação, o Vazio Absoluto. Antes mesmo da exteriorização da Criação, Olorum sentiu a necessidade de existir algo que permitisse essa exteriorização, e desse desejo surgiu Exu, a segunda intenção de Olorum. Por trazer em si o Vazio Absoluto, Exu é considerado o primeiro Orixá manifestado por Deus, sendo o mais velho de todos e o primeiro a ser cultuado.
Filosoficamente, o vazio pode ser a inexistência de algo ou um estado. Exu, sendo o guardião desse Vazio Absoluto, está do lado de fora da Criação manifestada, onde nada existe ou subsiste por si só. Sua presença simboliza a ausência de algo. Quando Exu entra em um estado ou domínio, ele traz consigo o Vazio Absoluto, esvaziando tudo.
Funções e Atuação na Criação e na Vida
Exu possui funções fundamentais na Criação divina. Ele é o meio de Olorum exteriorizar Suas criações e, ao mesmo tempo, o meio de impedi-las de retornar a Ele de forma maculada. Exu cria um vazio relativo ao redor de tudo o que existe, atuando como um vazio neutro que mantém e preserva a individualidade de cada coisa criada.
Como Guardião da Lei, Exu atua sobre o lado negativo dos seres. Ele é o regente dos carmas coletivos e individuais, que são trabalhados no plano material para serem transmutados, esgotados ou anulados. Exu, como mistério da criação, foi gerado por Deus quando tudo Ele gerou e não tem um começo no tempo, sendo em si um princípio negativo. Ele interfere onde há excesso ou falta de vitalidade, seja individual, coletivo, ou em dimensões da Vida.
Exu é tido como o mensageiro das ordens e vontades dos Orixás, que não se comunicam diretamente com os encarnados. Ele atua pela razão e está à esquerda dos Orixás. Quando um ser se desvirtua em algum dos sete sentidos, Exu, atuando sob as ordens dos Orixás Ancestrais ativados ou desativados pela Lei Maior, lida com isso.
A atuação de Exu pode ser religiosa (solicitação de ajuda a um manifestador incorporado em sessão) ou magística (evocação de um manifestador em seu ponto de força). Na atuação religiosa, ele age por meio do racional das pessoas, vitalizando-o ou desvitalizando-o. Na atuação magística, ele desvitaliza o "fogo íntimo" das pessoas, apatizando-as no sentido em que estão se desequilibrando ou desvirtuando. Por exemplo, ele pode desvitalizar a chama da fé se a pessoa estiver fanatizada.
Exu é descrito como uma força ativa por excelência. Ele é neutro e age quando lhe pedem e pagam simbolicamente com uma oferenda. Quem paga pela ação negativa é o culpado, eximindo Exu da culpa. Exu anota tudo e envia um alerta: quem o invocar por amor será amado, mas quem o invocar por ódio será odiado. A lei da vida, que rege Exu, é que quem gera amor recolherá amores, e quem gerar dor recolherá dores.
Linhagens e Manifestações de Exu
Exu gerou tantas linhagens quanto são os mistérios da criação. Essas linhagens surgem dos sete Exus comentados em um capítulo anterior, alcançando outros planos da Vida. O nome simbólico de uma linhagem de Exu revela seu principal campo de atuação, o aspecto negativo que ativa ou desativa, e a qual divindade ou mistério serve. Pelo nome simbólico do Exu de trabalho, é possível chegar ao nome simbólico do Orixá mais ativo na vida e trabalhos de um médium.
Os Exus na Umbanda são seres que vivem e evoluem à esquerda da dimensão espiritual humana da vida. Qualquer manifestador de mistérios à esquerda que queira atuar na Umbanda deve apresentar-se como Exu (masculino) ou Pombagira (feminino).
Existem diferentes tipos de manifestações relacionadas a Exu:
- Orixá Exu: O mistério divino, regente do Vazio Absoluto.
- Exus Naturais: Seres que nunca encarnaram, manifestadores diretos de Mistérios da Divindade Exu.
- Exus de Lei/Guardiões: Aqueles que conhecem os mistérios da magia e servem à Lei. Eles atuam sob as ordens de Orixás e estão ligados a um Orixá Individual. São os Guardiões do Ponto de Força das Trevas/Negativas.
- Exus de Trabalho: Seres que atuam no ritual de Umbanda. Muitos são espíritos humanos que se "exunizaram" (desenvolveram a capacidade de manifestar o mistério dual de Exu). Eles se apresentam com nomes simbólicos e atuam na irradiação de um ou de outro Orixá.
- Exu Mirim: Um Orixá fundamental e importantíssimo mistério de Olorum. Exu Mirim rege o plano das intenções e tem a função de fazer regredir espíritos que atentam contra os princípios da vida, paz e harmonia. Sem Exu Mirim, "nem fazer nada é possível". Exu Mirim pode retirar o estado de vazio de Exu e fazê-lo regredir ao nada total, sendo o único mistério conhecido capaz de confrontar Exu em seu próprio campo e anulá-lo. Oxalá, por sua simples presença, anula o estado do nada de Exu Mirim e ocupa-o com o estado do espaço infinito.
É importante distinguir Exu dos "quiumbas e eguns", que são espíritos que vivem nas trevas e não têm uma lei definida a regê-los.
Exu no Ritual de Umbanda
Exu é central nos rituais da Umbanda. Normalmente, os cultos começam saudando Exu com cantos, pedindo sua proteção e depois o despachando com uma oferenda (o padê de Exu), servindo seus alimentos rituais. Isso é um procedimento geral e correto, estabelecido como regra. Toda casa de culto tem seu assentamento de Exu.
A saudação e oferenda a Exu em primeiro lugar justifica-se pela sua primazia como o primeiro Orixá manifestado e guardião do vazio. Despachar Exu é necessário para que o espaço infinito "dentro" do templo se abra e outros estados da criação possam se estabelecer, permitindo a incorporação de outros Orixás.
O Assentamento de Exu Guardião, frequentemente feito na tronqueira, protege o espaço espiritual do templo das investidas de espíritos "caídos". O assentamento de Exu Guardião só é feito ao abrir um terreiro. Pessoas que não são médiuns podem ir à natureza firmar seu Exu Guardião e levar elementos para casa para sua firmeza de proteção.
Desmistificando Exu
A associação de Exu a demônios, diabos ou entidades infernais de outras religiões é um dos principais adversários da Umbanda, atrasando seu reconhecimento como uma religião do bem. Essa confusão, em parte, originou-se da "humanização" de Exu e sua atuação direta na vida dos seres na África. Na África, Exu é tido como uma divindade de mesma grandeza que os Orixás, muito respeitado e temido por sua natureza dúbia. Ele se tornou popular respondendo a anseios humanos imediatos, como potência masculina, fertilidade, vida doméstica e proteção em viagens.
Os textos fundamentam o Orixá Exu com uma dialética própria, desmistificando, desdemonizando, descapetando e dessatinizando Exu e seus manifestadores na Umbanda. Exu não é o demônio, diabo ou capeta, mas sim um mistério divino, assentado à esquerda dos seres pelo próprio Olorum.
O estudo e entendimento correto do Mistério Exu e sua importância na Criação são essenciais para os umbandistas.
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