sábado, 31 de maio de 2025

Hamlet como Expressão da Crise Social e Política na Transição do Feudalismo para o Capitalismo: Uma Análise Marxista

Hamlet, de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601, surge num momento histórico marcado pela transição da Europa ocidental — especialmente Inglaterra — do sistema feudal para uma economia mercantil e um capitalismo nascente. Esse processo, carregado de conflitos e crises, é dramatizado na peça, que reflete a alienação, a crise de legitimidade do poder, o colapso moral e as tensões sociais que marcaram essa transformação.

1. Alienação interna e dúvida existencial

"Ser ou não ser, eis a questão:
Será mais nobre sofrer na alma
As flechas e dardos da ultrajante fortuna,
Ou armar-se contra um mar de angústias
E, combatendo-o, pôr-lhes fim?"
(Atos III, Cena I)

Esse solilóquio traduz o conflito interno de Hamlet, um sujeito alienado e dividido, que hesita e sofre frente à crise social e política. Sua dúvida existencial revela a perda das referências e da capacidade de ação em uma ordem social em transição, típica da passagem entre sistemas econômicos.

2. Crise de legitimidade e poder

"Algo está podre no Reino da Dinamarca."
(Atos I, Cena IV)

Essa frase sintetiza a corrupção e decadência do regime feudal, simbolizando a crise de legitimidade do poder político na peça. A usurpação do trono por Cláudio representa a instabilidade do antigo sistema e a ascensão de uma nova elite que não justifica seu domínio pela herança tradicional.

3. Conflito entre gerações e classes

"O tempo é fora do curso, os espíritos estão doentes;
a natureza está corrompida, os homens não se entendem."
(Atos I, Cena V)

A fala do fantasma do rei morto simboliza a ruptura entre a ordem tradicional e a nova classe dominante, mostrando o conflito social e político inerente à transição do feudalismo para o capitalismo. Essa tensão se manifesta na disputa entre gerações e grupos sociais.

4. Decadência moral e crise do Estado

"Confesso que o ensino é doído e não me apraz."
(Atos I, Cena II)

Hamlet expressa sua percepção da degradação moral da corte e do Estado dinamarquês, que não é mais um espaço de justiça e ordem, mas de corrupção e intrigas. Isso reflete a crise do sistema feudal, com sua fragmentação do poder e a emergência de formas autoritárias e burocráticas.

5. Mulheres e classes subjugadas

"Dúbia mulher, um anjo na face e uma serpente no coração."
(Atos III, Cena IV)

Ofélia simboliza a mulher e, simbolicamente, as classes subalternas que sofrem opressão patriarcal e social. Seu sofrimento e loucura refletem as contradições e a exclusão de grupos subordinados num contexto de transformação econômica e cultural.

6. Violência e luta política

“A vingança deve ser doce e não amarga.”
(Atos V, Cena II)

O desfecho violento da peça, com a destruição da velha ordem, representa o momento revolucionário da história, no qual o antigo sistema é derrubado para dar lugar a novas configurações sociais e políticas. Essa violência dramatiza a luta de classes e a crise estrutural da época.


Conclusão

Hamlet pode ser lido como um retrato simbólico e dramático das contradições da passagem do feudalismo ao capitalismo. A alienação do sujeito, a crise da autoridade política, a decadência moral do Estado, as tensões entre classes e gerações, e a violência final expressam os conflitos históricos que marcaram essa transformação. Assim, Shakespeare não apenas cria uma obra literária de grande complexidade psicológica, mas também um documento político e ideológico, que revela as crises sociais profundas do seu tempo.

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