sábado, 31 de maio de 2025

Análise Marxista de Cândido, ou o Otimismo de Voltaire

1. Contexto histórico e social

O Iluminismo, período em que Voltaire escreveu Cândido (1759), marca a transição do feudalismo para o capitalismo nascente. A ascensão da burguesia comercial e a crítica crescente às instituições da nobreza e da Igreja refletem-se na obra, que expõe as contradições e tensões sociais da época.


2. Cândido e a crítica à ideologia dominante do otimismo

O personagem Pangloss representa o otimismo filosófico de Leibniz, que sustenta que “tudo está para o melhor neste melhor dos mundos possíveis”. Esse otimismo funciona como uma ideologia que naturaliza o sofrimento e a exploração, mascarando as contradições reais da sociedade.

Trecho ilustrativo:

“Tudo está bem”, dizia Pangloss, “pois tudo está feito para um fim; pois tudo está feito para o melhor.” (Capítulo 1)

Voltaire desmonta essa visão ao mostrar a brutalidade da guerra, a escravidão e os desastres naturais que Cândido presencia, revelando uma realidade onde o sofrimento é sistemático, não mero “mal necessário”.


3. A religião como aparelho ideológico de dominação

A Igreja e o fanatismo religioso são ridicularizados como instrumentos de opressão e alienação. A obra evidencia a hipocrisia dos líderes religiosos e o uso da fé para manter a ordem social vigente.

Trecho ilustrativo:

“Um jesuíta atirou-se a um judeu, e começaram a tirar as suas roupas para ver quem era mais cínico e mais cheio de demônios.” (Capítulo 7)

Voltaire ironiza os conflitos religiosos, ressaltando sua função política e ideológica para dividir e controlar as massas.


4. Crítica à nobreza e ao feudalismo

Voltaire expõe a decadência, brutalidade e egoísmo da nobreza, cuja rigidez hierárquica perpetua guerras e sofrimento do povo.

Trecho ilustrativo:

“Os seis milhões de habitantes da Bulgária, que vivem em eterna paz, não se importam com as desgraças de Cunegundes.” (Capítulo 9)

Este comentário irônico destaca a indiferença dos poderosos e a distância social entre as classes.


5. A ética do trabalho e a prática como caminho para a transformação

A frase final de Cândido, “devemos cultivar nosso jardim”, simboliza o abandono das utopias abstratas e a valorização do trabalho concreto como meio de enfrentar as adversidades e construir uma vida melhor.

Trecho ilustrativo:

“[…] devemos cultivar nosso jardim.” (Capítulo 30)

Na perspectiva marxista, essa valorização do esforço material e da ação prática sinaliza a consciência burguesa emergente, que reconhece o trabalho produtivo como força transformadora da realidade social.


Conclusão

Cândido é uma obra emblemática da crítica burguesa à ordem feudal e religiosa do Antigo Regime. Sua sátira revela a ideologia dominante que naturaliza exploração e sofrimento, ao mesmo tempo em que aponta para a necessidade de transformação social baseada no trabalho e na racionalidade prática, condizente com a emergência do capitalismo.

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