Contexto histórico e social
Fausto é um drama escrito ao longo de quase toda a vida de Goethe (final do século XVIII até o início do XIX), período marcado pela transição do feudalismo para o capitalismo, a Revolução Industrial e profundas transformações sociais e econômicas.
Essa obra representa a crise do sujeito na modernidade nascente, capturando as contradições da burguesia emergente e sua relação com o poder, a ciência, a natureza e o mundo.
Temas centrais e leitura marxista
1. A busca incessante do sujeito pelo conhecimento e pelo poder
Fausto é o intelectual que não se contenta com o conhecimento limitado e busca o absoluto — quer dominar a natureza e a sociedade.
Trecho:
“Zwei Seelen wohnen, ach! in meiner Brust,
Die eine will sich von der andern trennen...”
(“Duas almas, ah! moram em meu peito,
Uma quer se separar da outra...”) — Ato I
Interpretação marxista:
Aqui está a alienação do sujeito moderno, dividido entre sua natureza humana e as exigências do mundo capitalista — entre a consciência de si e a necessidade de se submeter às leis e forças sociais que o condicionam.
2. A relação com Mefistófeles: pacto e mercantilização da vida
Fausto faz um pacto com Mefistófeles, que pode ser lido como a troca entre o humano e o demônio do capital: vender a alma em troca de poder e prazer imediato.
Trecho:
“Werd’ ich zum Augenblicke sagen:
Verweile doch! du bist so schön!
Dann magst du mich in Fesseln schlagen,
Dann will ich gern zugrunde gehn!”
(“Se eu puder dizer ao momento:
Fica, pois és tão belo!
Então podes me prender em grilhões,
Então eu aceito a perdição!”) — Ato I
Interpretação marxista:
Essa busca pelo instante perfeito e pelo domínio sobre a vida é a lógica do capital, que aliena o sujeito em busca da máxima exploração do tempo e dos recursos. O pacto simboliza a relação contraditória entre o indivíduo e o sistema capitalista.
3. Trabalho, produção e a transformação da natureza
Fausto tenta dominar a natureza, transformar a terra, criando novas possibilidades para a humanidade, mas sempre em conflito com a lógica da exploração.
Trecho:
“Wer immer strebend sich bemüht,
Den können wir erlösen.”
(“Quem quer que se esforce continuamente,
Podemos salvá-lo.”) — Mefistófeles, Ato I
Interpretação marxista:
Aqui aparece a ideia da dialética do trabalho: a transformação da natureza pelo trabalho humano é o caminho da emancipação, mas no capitalismo o trabalho é alienado, uma forma de exploração e dominação.
4. Alienação e exploração
Fausto acaba promovendo um grande empreendimento, retirando terras para a criação de um novo espaço, mas isso se faz às custas da expulsão dos camponeses e trabalhadores.
Trecho:
“Der Ertrag ist mein Lohn.”
(“O lucro é meu salário.”) — Ato II
Interpretação marxista:
Mostra a acumulação capitalista, o lucro extraído do trabalho alheio, a expulsão e marginalização dos trabalhadores, a base material da desigualdade social.
5. Crítica à burguesia e à moral dominante
A obra critica o ideal burguês da busca individual pelo sucesso e riqueza, apontando a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e a desigualdade social.
Trecho:
“Alles Vergängliche
Ist nur ein Gleichnis;
Das Unzulängliche,
Hier wird’s Ereignis;
Das Unbeschreibliche,
Hier ist’s getan;
Das Ewig-Weibliche
Zieht uns hinan.”
(“Tudo que é transitório
É apenas uma alegoria;
O que é insuficiente,
Aqui se torna evento;
O indescritível,
Aqui é feito;
O eterno feminino
Nos conduz para cima.”) — Final
Interpretação marxista:
Esse trecho representa a esperança na superação das contradições históricas, mas na obra permanece ambíguo, mostrando que a emancipação real exige transformação social e não apenas individual.
Síntese
Fausto é uma obra que dramatiza o conflito do sujeito na emergência do capitalismo, a luta pela autonomia e controle, a alienação do trabalho, o pacto com as forças do capital e a esperança de uma superação que exige transformação histórica.
Goethe expressa as contradições de uma burguesia ascendente que busca dominar a natureza e a sociedade, mas ainda está presa às limitações da ordem social vigente.
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