Introdução
Gênero: Romance realista, com traços de modernismo antecipado
Marco histórico-literário: Início do Realismo no Brasil, crítica radical à sociedade escravocrata e à ideologia burguesa
🧠 Leitura marxista: crítica à burguesia escravocrata brasileira
☠️ 1. Narrador burguês morto: legado do nada
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
📌 Comentário crítico:
Brás Cubas é um burguês ocioso, fracassado, cujo maior feito é... morrer sem deixar rastros. A frase final nega a noção de progresso, legado, família ou história — pilares ideológicos da elite. O “legado da miséria” é a consciência do vazio burguês, uma forma de desmascaramento ideológico.
📌 Leitura marxista:
A obra rompe com a lógica ascendente do romance burguês tradicional: não há superação, nem redenção, apenas o retrato de uma classe que viveu às custas do trabalho alheio (escravo) e que não construiu um projeto coletivo.
💰 2. Cosificação do afeto e mercantilização do desejo
“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis.”
📌 Comentário crítico:
O amor é quantificado — reduzido a uma troca econômica. A relação é atravessada pela lógica mercantil: sentimentos são mercadorias, e o corpo feminino é objeto de consumo.
📌 Leitura marxista:
Essa passagem revela como o capitalismo invade até os afetos. O que deveria ser espontâneo (amor) é mediado pelo dinheiro — exemplo de reificação (cosificação) das relações humanas, como descrito por Marx.
📉 3. Humanitismo: ideologia cínica da dominação
“Ao vencedor, as batatas.”
📌 Comentário crítico:
Quincas Borba cria uma filosofia-paródia que justifica a competição e a desigualdade. É o “darwinismo social” travestido de ciência, um discurso que naturaliza o egoísmo e a opressão.
📌 Leitura marxista:
Machado satiriza a ideologia dominante da elite: o “vencedor” tem direito aos frutos (batatas), enquanto o vencido morre de fome. O Humanitismo é uma caricatura da racionalização burguesa da exploração.
🪞 4. Burguesia improdutiva e parasitária
“Um dia quis ser político, outro dia poeta, depois diplomata. Fiquei em casa, lendo os clássicos.”
📌 Comentário crítico:
Brás Cubas não trabalha, não luta, não produz. Vive de renda e ocupa o tempo com futilidades. Essa figura é o espelho da elite imperial escravocrata: improdutiva, parasitária, alienada da realidade nacional.
📌 Leitura marxista:
A elite retratada não tem projeto de país. Apenas imita os costumes europeus, alimenta vaidades e se sustenta com o trabalho escravizado. A crítica atinge o centro da estrutura de classe do Brasil do século XIX.
🧩 5. Forma fragmentada e antirromanesca
“A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre por mais vontade que tenha de as infringir — aliás, às vezes infringimo-las por mais vontade que tenhamos de as cumprir.”
📌 Comentário crítico:
Machado rompe com a linearidade narrativa. Os capítulos curtos, os títulos irônicos e os comentários metalinguísticos criam um romance que quebra a forma burguesa clássica, antecipando o modernismo e problematizando o gênero.
📌 Leitura marxista:
A fragmentação e a ironia são estratégias formais de crítica ideológica. A estrutura reflete o esfacelamento dos valores e a crise de sentido de uma sociedade escravocrata que se aproxima do fim.
📌 Conclusões marxistas
Elemento | Leitura marxista |
---|---|
Narrador | Classe dominante decadente, sem projeto coletivo |
Amor e relações humanas | Mercantilizadas e instrumentalizadas |
Filosofia e ideologia | Satirizadas como justificativas cínicas da opressão |
Trabalho e produção | Negados: elite ociosa, sustentada pela escravidão |
Forma narrativa | Rompe com o modelo burguês tradicional, ironiza o romance |
🧠 Reflexão final
Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance revolucionário no conteúdo e na forma:
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Expõe a alienação estrutural da elite brasileira, que vive do trabalho alheio mas não reconhece sua própria futilidade;
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Critica o projeto nacional escravocrata, que não produz cultura nem história;
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Antecipando o modernismo, desmonta o romance burguês como forma ideológica;
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Propõe, por meio da ironia e da morte, a negação radical da vida como projeto burguês.
Machado de Assis, sob um verniz cético, realiza uma das mais afiadas críticas da ideologia de sua época — e por isso, seu Brás Cubas é um morto mais lúcido do que muitos vivos.
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