introdução
A literatura tem o poder de revelar as tensões sociais e as contradições históricas que moldam as sociedades. Ao compararmos Os Sertões, de Euclides da Cunha, e A Mãe (Матерь), de Máximo Gorki, a partir de uma perspectiva marxista, podemos entender as diferentes representações das lutas populares e os contextos históricos que os moldaram — Brasil rural pós-abolição e Rússia pré-revolucionária.
1. Contexto histórico e social
Aspecto | Os Sertões (Euclides da Cunha) | A Mãe (Máximo Gorki) |
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Período | Final do século XIX / início do XX, Brasil pós-abolição e República jovem | Início do século XX, Rússia pré-revolucionária, antes da Revolução de 1917 |
Contexto social | Guerra de Canudos: conflito entre o Estado republicano e um povoado sertanejo marginalizado | Movimento operário na Rússia, repressão czarista, despertar da consciência de classe |
Classe social | Sertanejos pobres, pequenos agricultores, camponeses expulsos e marginalizados | Operários, trabalhadores urbanos, classe proletária emergente |
Tema central | Conflito entre centro (Estado) e periferia (sertão), exclusão social e resistência popular | Conscientização política, organização e resistência da classe trabalhadora |
2. Representação do povo
Os Sertões
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O sertanejo é retratado como um “homem forte”, moldado pela aridez e abandono.
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Apesar de carregar traços do preconceito científico da época, o texto valoriza a resistência e a dignidade desse povo.
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A comunidade de Canudos representa uma forma tradicional e comunitária de vida, rejeitada pelo projeto moderno e burguês.
A Mãe
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A protagonista Pelageia simboliza a mulher operária que se politiza ao acompanhar a luta de seu filho pela emancipação da classe trabalhadora.
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Os operários são sujeitos ativos da história, organizados e conscientes da necessidade da revolução.
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O romance enfatiza a consciência de classe e o compromisso com a transformação social.
3. Temas centrais
Tema | Os Sertões | A Mãe |
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Resistência | Defesa da comunidade de Canudos contra o Estado repressivo | Luta da classe trabalhadora contra a opressão do regime czarista |
Alienação | Sertanejo alienado pela marginalização e pela violência estatal | Trabalhadores alienados pelo sistema capitalista e político |
Violência | Massacre do povo sertanejo pelo exército republicano | Repressão policial e perseguição política aos revolucionários |
Natureza social do conflito | Conflito entre modernização excludente e formas tradicionais de vida | Conflito entre burguesia e proletariado, exploração e emancipação |
4. Função ideológica e política
Os Sertões
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Denuncia indireta da violência do Estado brasileiro e da exclusão social.
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Retrato ambíguo: valoriza o sertanejo, mas não propõe explicitamente sua emancipação política.
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Serve como crítica à falsa civilização republicana e ao projeto nacional excludente.
A Mãe
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Obra engajada com o marxismo e o socialismo revolucionário.
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Incentiva a organização e luta consciente da classe operária.
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Propõe a transformação social como necessidade histórica.
5. Trechos ilustrativos
Os Sertões
“Canudos não se rendeu. Expugnado palmo a palmo, caiu no dia 5 de outubro de 1897, sob os escombros da cidadela em ruínas. Morriam todos — mortos, feridos e cativos.”
Esse trecho mostra a brutalidade do Estado contra um povo que ousou desafiar a ordem oficial.
A Mãe
“Não podemos esperar que os outros nos libertem. Temos que lutar com nossas próprias mãos, nos organizar e conquistar a liberdade!”
Aqui está expressa a necessidade da ação consciente e autônoma da classe trabalhadora para sua emancipação.
6. Síntese da comparação
Aspecto | Os Sertões | A Mãe |
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Representação do povo | Passivo-resistente, vítima da violência estatal | Sujeito ativo, revolucionário |
Papel da violência | Violência repressiva estatal contra o povo excluído | Violência de classe, necessária para a revolução |
Projeto político | Crítica à exclusão social, sem proposta revolucionária clara | Proposta explícita de emancipação social e luta de classes |
Contexto | Brasil rural, fronteira entre modernidade e atraso | Rússia urbana, luta proletária e socialismo emergente |
Considerações finais
Os Sertões e A Mãe são obras que revelam a luta de classes em seus diferentes contextos históricos e sociais, mas com focos e propostas distintas. Enquanto Euclides da Cunha denuncia a exclusão violenta do sertanejo pela República brasileira, Máximo Gorki assume um compromisso claro com a revolução proletária e a transformação social.
Ambas são essenciais para compreender o papel da literatura como ferramenta de denúncia e reflexão sobre as injustiças sociais, além de oferecerem olhares fundamentais sobre a história cultural e política de Brasil e Rússia.
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