domingo, 1 de junho de 2025

Ensaio sobre a cegueira (1995) — José Saramago

📚 Romance alegórico, político e existencial

Perspectiva crítica: Marxista, humanista, anti-neoliberal


🔍 Análise marxista com trechos comentados


1. Cegueira como alienação generalizada

“Penso que não cegámos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem.”

📌 Comentário:
A cegueira do livro não é biológica, mas social e histórica: é a alienação coletiva, a incapacidade das pessoas de reconhecerem o outro como humano e de perceberem as relações sociais de exploração e dominação. Um paralelo direto com o fetichismo da mercadoria em Marx: ver as coisas, mas não as relações que as produzem.


2. Colapso da civilização: metáfora da falência do capitalismo tardio

“No princípio não havia tantas vozes, poucas pessoas falavam, pareciam estar à espera de uma explicação, uma decisão, uma saída.”

📌 Comentário:
O confinamento em massa simboliza o isolamento e a passividade induzidos pela ideologia e pela espera por um “salvador” externo — Estado, religião, tecnologia. O manicômio funciona como uma alegoria do Estado neoliberal, que exclui, abandona e reprime os mais vulneráveis.


3. Violência como produto da escassez e da dissolução moral

“A comida acabou. O quartel-general anunciou que só entregará comida mediante pagamento.”

📌 Comentário:
Mesmo em situação de colapso, o sistema opera pela lógica do mercado: o valor de uso (comida) subordina-se ao valor de troca. A sobrevivência vira mercadoria e instrumento de dominação, expondo a economia política da escassez organizada pelo capitalismo.


4. Dominação e luta de classes: o quartel dos cegos armados

“O grupo da ala direita tomou o poder. Tinham uma arma. Ameaçaram todos. Exigiram as mulheres em troca de comida.”

📌 Comentário:
Essa situação exemplifica o exercício brutal da dominação patriarcal e de classe, onde a força armada impõe controle e exploração dos corpos, sobretudo das mulheres, reproduzindo as relações autoritárias do capitalismo. A resistência das mulheres ao líder armado simboliza a luta de classes — uma ruptura radical e não institucional.


5. A mulher que vê: consciência revolucionária

“Só ela via. Ela mentiu, disse que tinha cegado. Mas enxergava tudo.”

📌 Comentário:
A mulher do médico representa a consciência crítica, aquele sujeito que consegue perceber a estrutura real em meio à alienação coletiva. Não é heroísmo solitário, mas uma posição dolorosa e necessária para guiar e organizar a luta, ecoando a dialética entre pessimismo da razão e otimismo da vontade de Gramsci.


6. Desumanização do operariado moderno

“Andavam de quatro, mijavam nas paredes, fediam, comiam com as mãos. Tinham esquecido como eram.”

📌 Comentário:
A degradação física e moral dos cegos reflete a reificação extrema: o trabalhador alienado perde identidade, linguagem e humanidade, reduzido a função ou “coisa”. O capitalismo moderno cria corpos descartáveis, eliminando a dignidade intrínseca do sujeito.


7. Final ambíguo: redenção ou retorno à barbárie?

“A mulher olhou para o céu, como se ali esperasse alguma explicação. Nenhuma veio.”

📌 Comentário:
O desfecho não oferece conforto religioso ou moral, mas reforça o diagnóstico da fragilidade social e da necessidade urgente de reconstrução da solidariedade e da consciência de classe. O chamado final é à organização coletiva e à ação política — a verdadeira cura da cegueira.


🎯 Conclusão marxista

Ensaio sobre a cegueira é um retrato hiper-realista da sociedade contemporânea marcada pela alienação, pela desigualdade e pelo abandono estatal. Saramago denuncia a barbárie que se esconde sob a aparência civilizada do capitalismo neoliberal e convoca à ação consciente para recuperar a humanidade e a solidariedade.

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