O conceito de Impulso (Drive) foi, por décadas, a espinha dorsal da teoria da motivação na Psicologia. Emergindo por volta de 1920, ele surgiu como uma resposta mecanicista e supostamente mais testável aos instintos metafísicos, buscando explicar a força que energiza e impele à ação.
No entanto, como muitas grandes ideias na ciência, o drive enfrentou severas críticas e evidências contrárias, levando ao seu declínio e abrindo caminho para o domínio das teorias de incentivo e cognição.
Origem e a Busca por uma Força Mecanicista
A ascensão do Impulso foi uma reação direta à proliferação e à falta de rigor científico do conceito de Instinto, que dominou o início da Psicologia. Os teóricos precisavam de um termo para preservar os aspetos motivacionais dos instintos — aquelas urgências que conferiam um caráter proposital ao comportamento — mas com uma conotação mais objetiva e mecanicista.
R. S. Woodworth e a Energia: Em 1918, R. S. Woodworth cunhou o termo drive no vocabulário técnico. Ele buscava uma palavra para a força que energizava o organismo, distinguindo-a dos mecanismos de ação propriamente ditos. A ideia era simples: o drive era a força que impele, como a fome "dirigindo" um animal a caçar.
Fontes Fisiológicas: Rapidamente, o drive foi associado a condições fisiológicas — especificamente, necessidades teciduais induzidas por privação ou excesso. O drive seria a manifestação psicológica de um desequilíbrio biológico.
As Duas Faces Conceituais do Impulso
O conceito de drive se manifestou de duas formas principais, representando a tentativa da Psicologia de encontrar o lugar exato da motivação no organismo:
1. Impulso como Estímulos Internos (Teoria Local)
Nesta visão periférica, o drive era considerado estímulos internos específicos, correlacionados diretamente com a necessidade tecidual. A ideia era que a sensação estimuladora vinha de um lugar exato:
Exemplos Clássicos: A fome era localizada nas contrações do estômago vazio, e a sede na secura da boca e garganta.
Por Que Falhou: Experimentos demonstraram que a motivação persistia mesmo sem o locus local. Pacientes com estômago removido continuavam a sentir fome, e a sede não se correlacionava perfeitamente apenas com a secura oral. Embora a estimulação local possa contribuir, ela não é a fonte essencial e geral da motivação.
2. Impulso como Estado Central (Visão Homeostática)
Esta concepção se tornou a mais influente, especialmente na teoria Hulliana. O drive foi imaginado como um Estado Central no sistema nervoso que ativava o organismo de forma geral, preparando as estruturas para a resposta.
Função Central: O drive era visto como a fonte de energia do comportamento. Sem uma necessidade ou impulso, o organismo permaneceria inerte.
Essência Homeostática: O estado de privação (desequilíbrio) induzia o impulso, que motivava o comportamento (geral ou específico) visando a retificação do desequilíbrio e o retorno à homeostase.
Evidências e o Ponto de Inflexão (1920-1950)
A teoria do Impulso como Estado Central encontrou apoio em fenômenos que pareciam validar a ideia de uma força interna energizadora:
Atividade Geral Aumentada: Sob privação (fome ou estro), animais exibiam um aumento da atividade geral e espontânea, sugerindo que o drive fornecia a energia para este vigor.
Reforço Dependente de Drive: O sucesso de um reforço (recompensa) era condicional à existência de um drive apropriado. Por exemplo, a comida só reforça o comportamento se o animal estiver faminto (i.e., sob o drive da fome).
As Críticas Fatais e o Declínio do Drive
Apesar de seu domínio, o conceito de drive começou a se desintegrar a partir de 1950, devido a três grandes falhas conceituais:
1. A Falha dos Fatores Não Homeostáticos
O maior desafio veio de comportamentos que não se encaixavam na concepção de redução de tensão ou necessidade. Comportamentos como curiosidade, exploração e manipulação (em primatas) ocorriam mesmo em organismos saciados. Isso provou que a motivação não era exclusivamente impulsionada pela rectificação de um desequilíbrio.
2. O Problema da Aprendizagem e das Pistas
O que era visto como manifestação automática do drive (como a atividade geral) foi demonstrado como sendo passível de aprendizagem e dependente de pistas ambientais (estímulos). Isso enfraqueceu a ideia de que o drive era uma fonte de energia pura e cega, mostrando que o ambiente influenciava a energização.
3. A Crise dos Impulsos Secundários
A motivação humana complexa exigia o conceito de Impulsos Secundários (Adquiridos), que seriam aprendidos a partir dos primários. No entanto, a teoria falhou miseravelmente em demonstrar impulsos adquiridos baseados em algo que não fosse o medo (ou ansiedade). Além disso, o próprio medo foi re-interpretado como um incentivo negativo induzido situacionalmente (por estímulos externos), e não um drive interno. A incapacidade de estender a teoria dos drives adquiridos para além do medo deixou uma lacuna insolúvel na explicação da motivação complexa.
O Legado: Incentivo e o Foco no Exterior
O declínio do drive levou a Psicologia a mudar o foco da força interna de empurrão (push) para a atração externa de meta (pull).
Incentivo: Concentra-se nos estímulos externos (objetos, metas) que evocam um estado de excitação e motivam o organismo. O incentivo emergiu como o substituto mais forte para o drive.
Reforço: Outra alternativa sugeriu que a motivação poderia ser explicada inteiramente pelas condições de reforço que moldam e mantêm o comportamento, tornando o apelo a um conceito interno de drive redundante.
Embora o drive em sua forma clássica (Hulliana) seja hoje considerado obsoleto, seu legado reside na profunda investigação da função energética do comportamento e na consolidação da perspectiva homeostática, que ainda informa subcampos da Psicologia Fisiológica.
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